Esta semana li o lamento de um cronista das antigas afirmando que “agora todo mundo começa cronista e em um ano vira articulista”.
Culpada!
Minha carreira literária teve um percurso ainda mais lamentável: comecei na virada do século como espiritualista, virei cronista e, inevitavelmente, regredi para me tornar “articulista”, e não é para menos. Quem, no mundo de hoje, pode encontrar inspiração no cotidiano para escrever sobre as “bobagens da vida”?
Quando cheguei aos Estados Unidos, há sete anos, fiquei espantada (e com um pouco de inveja, devo admitir) com a confiança que os americanos depositavam em suas instituições. Hoje, pós-Trump, pós-Covid e pós-retirada do Afeganistão, o nível de confiança caiu para... bem, não me lembro de nenhuma pesquisa recente, mas não conheço nem tenho visto ninguém declarar essa confiança em público ultimamente. No quesito “retirada do Afeganistão” que mencionei acima, por exemplo, 86% por cento da população, sem distinção de partido, discordaram das ações e decisões do governo.
Com tanta coisa para nos preocupar fica difícil parar para admirar os passarinhos, um dos temas favoritos do grande mestre Rubem Braga. Mas morando no mato e trabalhando como tradutora uma média de 12 horas por dia, comecei a dedicar meu pouco tempo livre à manutenção do jardim, especialmente nas últimas duas primaveras, quando as opções de lazer fora de casa se reduziram ainda mais por conta da Covid.
Eu já gostava de mexer na terra e tinha plantado algumas rosas e uma pequena horta na nossa casa de Itaipava, na maior parte do tempo com a ajuda do Alex — nosso misto de jardineiro, faz-tudo e motorista que mais tarde, segundo me consta, se formou em advocacia — especialmente quando era necessário pegar no pesado, isto é, no cabo da enxada.
Nos Estados Unidos, onde precisamos lidar como uma enorme dificuldade de mão de obra para pequenos serviços, incluindo a jardinagem, acabei assumindo a responsabilidade eu mesma, e posso garantir, não há nada melhor nesta vida para relaxar, esquecer os problemas e aumentar a energia do corpo do que cavoucar a terra e plantar, apesar da dor muscular do dia seguinte.
Temos um terreno bastante grande e precisamos de uns dois anos para recuperar a terra da limpeza da vegetação na época da construção. Nesse meio tempo cheguei a acreditar nas palavras de um vizinho reclamando que na nossa montanha a terra era cheia de pedras e que, ao contrário do Brasil do poema, “nela plantando nada dá”.
Quem dera. Se fosse verdade ainda estaríamos com uma plantinha aqui e outra ali, na maior parte tendendo a espécies espinhosas, mas neste verão nosso terreno finalmente revelou sua verdadeira disposição de dar de tudo em abundância — inclusive o mato, que acabou excedendo em muito a minha capacidade de controlar.
Quando saí do Brasil me considerava realizada porque tinha publicado vários livros e plantado uma árvore ou duas. Hoje, olhando a pereira, o resedá vermelho e as três cerejeiras, todas com mais de três metros de altura, para nem mencionar a fileira de pinheiros margeando a rua e o enorme salgueiro chorão com dois metros de diâmetro, mal posso acreditar que cavei os buracos e plantei tudo isso sozinha há pouco mais de três anos como pequenas mudas.
Também plantei muitas rosas logo que nos mudamos para a casa, mas este foi o ano das flores. Descobri que nossa terra, em teoria arenosa e pedregosa, era ótima para papoulas, hibiscos, gérberas, cravos de várias cores, lavanda, sálvia da Rússia e gauras cor-de-rosa, e além de tudo resolvi o problema do canteirão de 10 x 10 do lado de fora do meu escritório, quase um prado, onde plantei sementes de flores silvestres que cresceram como loucas, lindas, multicoloridas, atraindo abelhas, borboletas e passarinhos. Até instalei lá um banco de praça para “observar a natureza”!
A tragédia aconteceu quando, como já contei numa outra crônica, tivemos que sair de casa para que o seguro fizesse uma obra de recuperação, há mais de 60 dias, no auge do verão e da estação das chuvas aqui em Greenville.
Vocês sabem o que acontece nas florestas de Greenville durante o verão e a estação das chuvas? Não queiram saber! Sem minha estrita supervisão, o mato tomou conta de tudo, e não estou falando de um matinho amigo, mas de um capim forte e alto, quase da minha altura.
Nem é que isso tenha me pegado de surpresa, afinal de contas já moramos nessa casa (e nessa floresta) há quatro anos completados neste mês de agosto. Porém, quando ia conferir a obra nos fins de semana sempre me sentia desanimada, incapaz de domar o crescimento desenfreado sem poder cuidar dele aos poucos, diariamente, como faria se estivesse em casa. Deixei rolar.
Há pouco mais de 15 dias, com o final da obra se aproximando, decidi encarar a besta de frente. Em cada fim de semana desde então trabalhei num pedaço da selva, digo, do jardim, para que estivesse apresentável quando voltássemos para casa. O pior deles foi este último, quando “limpei” as sálvias e as gauras. Isso porque, a cada semana que se passava, incrivelmente, o capim que não tinha sido arrancado dobrava de força e de tamanho.
Não sei que tipo de espírito baixa em mim quando começo a trabalhar no jardim, mas sinto que fico meio “fora do ar”, indiferente até mesmo aos violentos mosquitos que, apesar de toda a proteção, quase me comem viva. Desta vez o resultado foram três segundas-feiras seguidas de coceiras inflamadas, mente relaxada e aquela rara alegria que sobrevém após uma missão cumprida.
Recomendo!