Vocês sabiam que, em 21 de setembro, comemoramos o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência no Brasil?
Pois é. Nem eu (além dessa data, temos ainda o 11 de outubro, o 3 de dezembro e mais algumas outras para celebrar esses seres especiais). Fiquei sabendo esta semana, quando fiz a transcrição de um vídeo educativo de uma grande empresa brasileira de TI, edição de setembro, com destaque para as datas do mês.
Sem nenhuma menção, é claro, dos 200 anos da independência do Brasil. Não sei por que motivo este ano, digo, este marco importante, passou batido pela mídia (pelo menos pela mídia a que tenho acesso), pior: quando a mencionaram, foi para denegrir.
Lembro-me de ter lido um comentário irado de um leitor da Folha afirmando ser absurdo comemorar a irrelevante independência do Brasil quando milhões de pessoas passam fome no país.
Milhões de pessoas passam fome no Brasil?
Hum.
Vivi mais de 60 anos no Brasil. Vi milhões de pessoas passarem fome no Brasil. Em 1993, as estatísticas informam, 32 milhões de pessoas passavam fome no Brasil, o equivalente na época a 20% da população.
De lá para cá, quero crer que a situação melhorou. Alguém aí mais ou menos da minha idade se lembra da campanha “Natal Sem Fome” do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho? O site do sociólogo, que descreve a iniciativa como “a maior campanha de combate à fome da história”, nos conta que 20 milhões de pessoas foram beneficiadas. Descontadas dos 32 milhões, sobram 12.
Às vésperas das eleições presidenciais, e com a ameaça da “volta do socialismo” pairando sobre nossas cabeças, não me parece uma boa hora para lembrar o lado bom desse tipo de iniciativa social, mas que a fome no Brasil não é mais aquela, isso quase posso garantir.
Posso até aceitar que a ameaça da fome no Brasil aumentou nos últimos dois anos. Afinal de contas, a pandemia da covid virou o mundo inteiro de cabeça para baixo, e o Brasil não foi exceção. Pessoas morreram, milhões perderam seus empregos, o medo tomou conta de nossas vidas e uma insegurança generalizada passou a ser a tônica do dia a dia.
Não só no Brasil. No mundo inteiro. E para reverter esse quadro vamos precisar de algum tempo, muita paciência e... de um certo grau de competência.
Artigo da Veja esta semana informa que, em 2020, as pessoas com fome somavam 20 milhões. É muita coisa, com certeza, mas, em termos de população, são menos de 10% do total atual. Para quem gosta de números, trata-se de uma redução estatística de 50% das pessoas com “deficiência alimentar” em menos de 20 anos.
Vocês podem dizer que é uma tristeza, tudo bem, mas estamos longe da famosa “Belíndia” dos anos 1970. Divulgar por aí que o número de famintos inflou para 30 milhões nos últimos dois anos, como fez a Veja, tem um mau cheiro de manipulação da opinião pública para fins eleitorais.
Faço um apelo de quem viu um país se deteriorar rapidamente devido a esse tipo de abuso da informação: não se deixem levar e não permitam que a covid faça mais uma vítima política devido à manipulação, como já ocorreu com Donald Trump, Boris Johnson e várias outras figuras do cenário internacional. Todos já sofremos o suficiente, mas muitos de nós parecem estar sofrendo cada vez mais, como uma inhaca persistente que não nos deixa mais respirar...
Boa parte do sucesso dessa manipulação se deve, obviamente, à explosão do autoritarismo em todo o mundo como resultado das draconianas, equivocadas e ineficientes medidas de precaução a que fomos submetidos nos últimos quase três anos. A consequência é que boa parte das pessoas está convencida de que vivemos num mundo de desgraças das quais dificilmente iremos nos livrar, daí o clima de ódio e conflito que leva uma pessoa, como o leitor da Folha, a afirmar a existência de uma extrema miséria física e moral no Brasil — que, obviamente, tem tudo a ver com o Bolsonaro.
O vídeo que transcrevi, ao contrário, mostra um Brasil pujante, tecnologicamente avançado, celeiro de “DevOps” com milhares de técnicos bem treinados, apesar do mau português. Até os altos executivos da empresa cometem erros terríveis em seus depoimentos, mas, ops, peraí, não comecei esta crônica falando do Dia Nacional das Pessoas com Deficiência?
Desculpem, aí, leitores. Perdi meu rumo para variar, me deixei levar pelo maldito fluxo de consciência, ou da falta dela, se formos tratar de considerações neossociais mais fundamentais.
Antes tarde do que nunca, vamos a elas.
A certa altura, o vídeo mostra a tela dividida entre os rostos de três “Devs” — que, como todo mundo sabe, é a abreviatura de desenvolvedor de código para softwares —, jovens, empolgados, mais ou menos articulados se descontarmos as supramencionadas atrocidades do português. Porém, logo em seguida, os três informam que, além de serem Devs, têm algo mais em comum: são PCDs.
Malditos acrônimos, que nos tiram do prumo do mais prosaico entendimento!
Vai daí que não tardei a descobrir que PCDs são “Pessoas com Deficiência”, um artifício PC — politicamente correto — para que, em tese, não tenhamos consciência direta de que são pessoas com alguma carência.
Não me levem a mal. Acho louvável que a empresa em questão contrate deficientes, afinal de contas, que diferença faz para o trabalho de um desenvolvedor de software que a pessoa seja cadeirante ou coisa parecida, com zero de interferência em sua capacidade mental?
O problema é que a coisa não para por aí: como ocorre com todas essas bobagens de “sinalização de virtude” que nos são impostas todos os dias, as boas intenções dos progressistas sempre desembocam no seu exato contrário.
Segue o vídeo e os três integrantes começam a descrever suas diferentes deficiências nos mínimos detalhes que ninguém quer saber. Um deles, por exemplo, além de ter nascido com catarata congênita em um dos olhos tem uma perna cinco centímetros mais curta do que a outra; o outro tem uma deficiência auditiva toda complicada, mas que, na verdade, permite que continue escutando, quer dizer, não é forçado a falar em Libras nem a ler os lábios de seus colegas de trabalho; e o terceiro, last but not least, nasceu com um defeito genético que atrofiou seus braços e pernas, o forçando a usar uma cadeira mais baixa para digitar.
Me digam aí, é isso que vocês entendem por igualdade? O que ganharam esses três PCDs ao colocar em destaque suas deficiências para um enorme público de desconhecidos?
Humilhação. Nada mais.
A única coisa que interessa nesse caso, do meu ponto de vista, é que sejam competentes para escrever código!
É exatamente como esse recém-ressuscitado blablablá sobre racismo aqui nos Estados Unidos que, em vez de enfatizar que a cor da pele não significa absolutamente nada em termos do valor de uma pessoa, como queria Martin Luther King — criador do conceito “cegueira de cor” —, faz com que todo mundo hoje em dia enxergue apenas a cor da pele de uma pessoa...
Olhem, está aumentando a cada dia o número de pessoas que não suportam mais viver nesse mundo que prima pela insanidade e por óbvias mentiras — inclusive falsidades da biologia — consagradas como verdade.
Queremos acreditar, como já afirmei em outras crônicas, que o dia da virada do pêndulo está para chegar.
Não permita que a nociva insanidade esquerdista socialmente irresponsável tome conta da sua vida como parece ter tomado conta do mundo.
Reaja. Já.
P, PC, PCD. PQP.
Olá, Cristiane, obrigada por seu comentário. Talvez meu ponto de vista não tenha ficado claro. Eu não critiquei de modo algum a inclusão dessas pessoas, pelo contrário, afirmei que era louvável. Meu ponto é que, uma vez que as pessoas foram contratadas, quer dizer, já ultrapassaram esses obstáculos que você menciona e estão trabalhando em suas profissões, não acho necessário ficar enfatizando a condição a todo momento e para todo mundo e muito menos colocar em destaque as deficiências. Repetindo, uma vez que já estão na empresa, o que interessa é a "competência para escrever código". Bom dia!
Eu tendo a gostar muito dos seus posts. Mas, aqui não pude discordar mais. Lógico que há de se falar dos milhares de brasileiros que passam fome, das pessoas que morreram e perderam seus empregos. No entanto, a temática da inclusão e diversidade é de suma importância porque traz emprego e oportunidade a milhares de pessoas. É fácil dizer que basta ter "competência para escrever código" se todos tivessem as mesmas condições de aprendizado, estudo, trabalho. Recomendo que assista "a corrida dos privilégios": https://www.youtube.com/watch?v=L177yGji8eM
Dar exposição ao tema PCD, voz a grupos minorizados, luz a conceitos como etarismo, capacitismo, LGBTQIA+, entre outros tantos, considerando os muitos problemas que o Brasil enfrenta, pode até parecer focar em assuntos de menor importância. Na minha humilde visão, só parece. É a iniciativa privada que dispõe de recursos para investir nessa "educação" e isso trabalha crenças limitantes que podem fazer, no futuro, um Brasil mais justo e mais igual.