Muita conversa e pouco resultado aqui nos EUA em torno da noção de “romper o telhado de vidro”.
Pelo que eu saiba, tudo começou com a frustrada eleição de Hillary Clinton para presidente em 2016, eleição que, como todos sabemos, foi roubada em favor de Donald Trump e “não há nenhuma dúvida quanto a isso”.
O telhado de vidro local, expressão cunhada para descrever o avanço social, profissional e político das mulheres americanas, não foi quebrado na ocasião.
Agora, seis anos mais tarde, essa conversa mole de telhado de vidro voltou à mídia com a publicação de uma matéria de capa na revista GQ, em que a estrela máxima do Partido Progres... ops, Democrata, lamenta a total inutilidade de sua eventual candidatura à presidência dos Estados Unidos devido ao fato de que “tanta gente neste país odeia as mulheres, especialmente as ‘mulheres de cor’”. A perseguida (com trocadilho, por favor), embora tenha apenas 32 anos de idade e seja a mais jovem mulher a ter sido eleita para o Congresso aos 28, também comenta na entrevista que “não sabe se estará viva em setembro”, mas, pelo menos, mostra ter superado a proverbial dificuldade enfrentada por seu partido e pelas pessoas de sua turma para pronunciar a palavra “mulher”, que aparece 46 vezes no artigo, na maioria das vezes para se lamentar.
Esse pessoal adora reclamar.
Pois esta semana perdemos uma mulher que, com majestade e sem fazer alarde, rompeu diversos telhados de vidro: foi coroada rainha aos 25 anos, nunca reclamou da vida, enfrentou inúmeras dificuldades, atravessou múltiplas crises — pessoais, familiares, nacionais e políticas —, viu o mundo se transformar radicalmente e seu vasto império, no qual o sol nunca se punha, reduzir-se até quase se tornar um eclipse permanente.
Tudo com o mesmo semblante tranquilo e um sorriso no rosto.
No penúltimo dia de sua vida na Terra, como em todos os outros dias de sua longa vida, a Rainha Elizabeth II da Inglaterra deu expediente: recebeu em seus aposentos no castelo escocês a nova primeira-ministra do Reino Unido e 15ª chefe de governo em 70 anos de reinado, Liz Truss.
Nesse dia Elizabeth II deve ter considerado sua missão cumprida, porque após a partida de sua quase-xará a rainha se recolheu e, com toda a elegância e sabedoria que caracterizaram seus 96 anos de vida, não tardou a falecer.
Não acredito nessas coisas, mas logo em seguida os céus aparentemente se abriram para receber Lilibeth, marcando o evento com um raro arco-íris duplo sobre o Palácio de Buckingham.
Tivesse escrito esta crônica mais cedo eu falaria mais sobre a Rainha Elizabeth, mas, francamente, nestes últimos dois dias vi tanta coisa na TV sobre ela que já enjoei. Nada tenho a acrescentar à copiosa cobertura ao vivo — agora disponível no YouTube — que incluiu, nas últimas horas, a reconciliação frente às câmeras de seus dois netos William e Harry, que andavam se estranhando há anos.
Mais um feito extraordinário dessa rainha, mesmo depois de morta.
Neste ponto quero fazer um desvio de rota e lembrar um outro sentido da expressão “telhado de vidro”, mais próximo dos brasileiros: “Quem tem telhado de vidro, não joga pedra no telhado dos outros”.
Com toda a minha ignorância cuidadosamente mantida intacta por minhas fontes infalíveis de informação na mídia, fui logo me precipitando e desejando que o herdeiro natural da coroa, Príncipe Charles, abdicasse logo de uma vez em favor de seu filho William e nos poupasse os próximos 20 e tantos anos durante os quais poderia ser rei (o ex-herdeiro tem 74 anos).
Era uma conclusão muito lógica, certo? Charles sempre mostrou várias falhas de caráter: para começar, sempre foi um ambientalista radical. Além disso, traiu publicamente sua esposa e mãe dos seus filhos, a universalmente admirada Diana que foi tão torturada, coitada, que acabou anoréxica e deprimida, encerrando precocemente de maneira trágica sua dolorosa vida de princesa; revelou detalhes indiscretos de sua vida sexual com a incrível história do absorvente interno de Camila, a nova Rainha Consorte (lembram?); foi veladamente acusado de racista no Programa da Oprah por sua nora estrangeira, “Meghan de Montecito”; e, mais recentemente, foi denunciado por ter recebido uma mala de dinheiro de um príncipe saudita assassino como doação para uma das diversas instituições de caridade das quais era presidente.
Já o elegantésimo príncipe William, vamos combinar, nasceu pronto para reinar. Basta ver seu carisma, sua simpatia, a bela família e sua natural habilidade na esfera pública: o novo Príncipe de Gales nunca deu um fora na vida, até a mulher que escolheu será com toda a certeza uma perfeita rainha.
Bem, eu estava completamente enganada. Um segundo após sua mãe falecer, Charles Mountbatten-Windsor foi declarado rei com toda a pompa e circunstância, optando pelo título de Charles III e contrariando muita gente que, talvez para mantê-lo no usual semianonimato, queria que o novo monarca adotasse um de seus vários nomes que pouca gente conhece: Philip, Arthur ou George.
Discreto e modesto, Charles preferiu manter o nome de batismo pelo qual sempre foi conhecido e, desde sua nomeação, vem apresentando um desempenho impecável.
A mídia não perdeu tempo, logo alterou seu tom e apagou o infame passado rapidamente: na edição deste sábado o Times of London sugeriu, em um de seus artigos principais, que o Rei Charles III poderá “ser um dos grandes”.
Tomara. Vida longa ao rei e estamos conversados!
Agora de volta à nossa vidinha plebeia de sempre: por falar em telhado de vidro e pedra no telhado alheio... esta semana a mídia internacional pegou pesado com as eleições para presidente do Brasil.
A primeira ocorrência foi uma foto sensacionalista e ridícula de “militares nas ruas” que o Alan veio correndo me mostrar no portal Drudge Report, com uma sugestão mais ridícula ainda de que Bolsonaro já está “a postos para um golpe de estado” assim que perder as eleições — uma derrota dada como certa pelos justiceiros do mundo inteiro.
Gente, era a parada de 7 de setembro! 200 anos de independência do Brasil!
No mesmo diapasão, a revista The Economist publicou matéria de capa com o título “Perdendo ou ganhando, Jair Bolsonaro representa uma ameaça para a democracia brasileira”, “pré-acusando” o presidente do Brasil de estar preparando uma versão tupiniquim da “grande mentira”, que é como eles descrevem as alegações de Donald Trump no sentido de que a eleição de 2020 foi roubada em favor de Joe Biden (favor retornar ao primeiro parágrafo).
Até mesmo a excelente Bari Weiss, nossa vizinha aqui no Substack, afirmou em seu podcast da semana no Common Sense que Jair Bolsonaro (Brasil), ao lado de Viktor Orbán (Hungria) e Donald Trump (EUA), é uma ameaça à democracia liberal e à civilização ocidental.
Menos, pessoal, menos.
Os acontecimentos dos últimos dias comprovam, mais do que nunca, que a mídia está sempre enganada, sempre acaba, mais cedo ou mais tarde, errando a pontaria dos pedregulhos que atira e nós, leitores, como o típico marido enganado, somos sempre os últimos a entender onde está a verdade.
A 'imprensa' morreu, virou panfletos de babaquices.